“Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, afirmou certa vez Antoine Lavoisier. No mercado imobiliário, a célebre frase do famoso químico francês transmutou-se em uma crescente tendência, o retrofit. Trata-se de um processo que objetiva restaurar prédios antigos de forma a preservar a edificação original, transformando sua fachada e ressignificando o imóvel com uma leitura mais moderna e funcional, alinhada com as demandas atuais de mercado. Alguns fatores contribuíram para o surgimento do retrofit: a falta de terrenos em localizações valorizadas que são ocupadas por prédios antigos, a legislação que impõe barreiras para ocupar construções tombadas e a própria mudança do estilo de moradia, que transformou bastante a arquitetura dos empreendimentos imobiliários.
Em vez de colocar abaixo um prédio antigo, o retrofit permite transformá-lo completamente, mudando até mesmo a natureza dele — de residencial para comercial, por exemplo. Um ganho vantajoso de tempo e muitas vezes de dinheiro para a incorporação imobiliária, que elimina do seu planejamento uma série de demandas das etapas da construção. Essa espécie de reciclagem imobiliária virou tendência na construção civil de grandes metrópoles brasileiras. Em São Paulo, criou-se até um programa especializado no negócio: a Lei Retrofit. Há dois anos, a prefeitura dá incentivos fiscais para incorporadoras investirem na conversão de edifícios para uso residencial ou misto de alto padrão no centro da cidade, como forma de tentar acelerar a reurbanização da região decadente.
Não apenas todo o prédio pode ganhar uma nova fachada, mais moderna e atualizada, como também os moradores têm a possibilidade de ampliar seu patrimônio, construindo, por exemplo, um terraço, onde antes não havia esse espaço, e realizando o sonho de ter sua varanda gourmet. Foi o que aconteceu com Andre Souyoltgis, diretor comercial da imobiliária Coelho da Fonseca em São Paulo. Ele capitaneou a aprovação do projeto de retrofit no seu condomínio mobilizando os moradores e fazendo também a burocracia junto à prefeitura. O resultado foi uma valorização que chega a 40% no preço de venda do seu imóvel com a implantação de um terraço de 40 metros quadrados. Mas não é fácil tirar do papel um processo do tipo, alerta ele. É preciso a aprovação de 100% dos condôminos, uma tarefa que exige paciência e discurso afiado de convencimento. “Convencer os vizinhos é mais difícil que todo o processo junto à prefeitura”, contou Andre à coluna. Depois de superada essas etapas, no entanto, basta comemorar a valorização e o novo espaço que a família vai poder desfrutar.
As mudanças também podem ir além das fachadas e alterar toda a parte interna dos prédios, como fez a Incorporadora Piimo, que transformou o antigo Hotel Paysandu, no Rio de Janeiro, em estilo art déco, fechado no início de 2017, num residencial com 50 unidades de 30 metros quadrados, sem garagem. Na Zona Sul carioca também se observa várias reformas, a começar pelo emblemático Hotel Glória, que vai se transformar num residencial. Lá, o preço mais caro, de um quatro quartos, chega a 5,75 milhões de reais, mas com maiores dificuldades de implementação, já que sua nova proposta demandou um jogo de cintura dos engenheiros, com a construção de novos reforços estruturais para sustentar as mudanças propostas. Ainda que os custos da obra sejam maiores que começar a edificação do zero, vale muito a pena a técnica de retrofit, principalmente no caso de imóveis tombados e preservados, em função das normas impostas pela legislação das prefeituras e também do Corpo de Bombeiros, que costumam ser bem exigentes para que tudo esteja adequado às normas.
O que é moda hoje no Brasil já faz parte do cenário em muitas cidades da Europa, que têm a revitalização de suas construções centenárias como parte do cotidiano no mercado imobiliário. E todo mundo ganha com essa modalidade de retrovit. As incorporadoras lucram na velocidade de entrega de seus projetos, os consumidores desfrutam de imóveis modernos e valorizados e a cidade recebe dividendos na forma da ressignificação de suas antigas construções, dando vida a prédios que antes estavam abandonados. Se não bastassem todas essas vantagens, o modelo é sustentável por conseguir reaproveitar estrutura existente e evitar que se gere ainda mais resíduos oriundos da construção. A obra pode ser feita em estrutura metálica (mais limpa) ou concreto. Lavoisier certamente aprovaria essa nova química do mercado imobiliário.
Fonte: www.veja.abril.com.br
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